quarta-feira, 28 de setembro de 2016

filete de sangue

Teu caráter se forma miúdo, silencioso ou gritante nessa tua transferência de menina - mulher.
Ainda nem tem quinze, já sentiu o peso da vida e das tuas cordas vocais que aos poucos rubram

Me contou dos teus sonhos
Dos teus projetos
Faz olhar de recusa
Quando eu tolo
Te acuso
Uma poesia

Te peguei nos braços
Não por muito tempo
Eram frágeis como tu
Pequena
Que agora
Já é moça.

Tô parando de escrever então vou publicar um bocado de coisas reprimidas nas gavetas na memória do telefone e afins

Os dias renascem carregados de memórias e esquecimentos febris.
Numa forma de resgatar velhos Abraços que o corpo desconhece, fumo.
Tenho ficado muito tempo só
trancafiado dentro dessa prisão que criei e cultivo como o circo das lagartas
em estado de descaso ou de pura miséria
passeando no limiar de uma corda no pescoço ou de um edifício grande que abraça a cidade e pesa sobre meu corpo.

Tenho lido muito pouco
esboçado reações apáticas diante de atrocidades
vez ou outra ainda me surpreendo.

Tenho cultivado relações obsessivas por gente da cidade
-o que é raro-
e assim me afogo entre lapsos escassos de sedução e uma interminável e independente mutilação dos meus sentimentos. Apelo pra astrologia e pro misticismo em geral, e assim justifico fases, intitulo calvários.

Trânsito em câncer sol em escorpião
eu sinto muito, esse samba não é meu.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Vingou como tudo vinga.

Pois teu pai meu filho
era forte como um touro 
e isso é muito equiparado 
a minha instabilidade emocional.

domingo, 11 de setembro de 2016

Caio: do verbo cair.



Esse teu par de óculos escuros

Essa tua beleza estranha

e esses teus dedos largos

me inquietam

e toda inquietação gera um texto impublicável


Quando te vi, ali, bem sabes onde, não dei muito, passei direito, contei e recontei moedas na espera do outro alguém e tu todo falante veio, solicito de natureza puxou um papo, soletrou meu nome, descobriu meu endereço e fez faces de estranhamento quando descobriu que eu não era amante das mídias sócias, falou da maquina no quarto e dos poucos anos -e grande bagagem que tinha nas costas-

ressoou estranhamento na súbita presença do outro alguém, e então num desses inesperados comportamentos que antecedem o ato de partir: um abraço de dois segundos, um telefone copiado nas costas de uma nota fiscal, e uma partida, meio rouca, meio murcha.

E tudo aconteceu no seu devido tempo, talvez um pouco rápido ou devagar demais, talvez um pouco nu ou casto demais, se não fosse no banheiro daquele bar que fosse atrás do arbusto, nas bodas de diamante dos teus avós ou na missa de sétimo dia daquele teu amigo que se atirou do vigésimo andar


que fosse
e talvez seria
ou era pra ser
eu e tu
e aquele banheiro de bar
superfície penosa, som de cervejas batendo no engradado de quem tem sede
e o meu corpo mostrando se raso nas condições permissíveis.

Mas por quais cargas d'água eu escrevo isso? por que eu tenho que ser o que põem o fim mas se afoga nas lembranças? Eu que fui emancipado, mas sempre sinto falta de alguém pra fechar os meus cordões num segundo de pressa, e quando nem as unhas, essas unhas amareladas pelos breves anos juvenis de fumo, dão conta.

A realidade é me deixei ser fisgado e te deixei partir, talvez pela intensidade assustadora das coisas e por esse maldito sentimento que eu temo e não consigo carregar. Não te afogue em perguntas, em contextos e coisas que tu não vai conseguir entender, não devolve as camisas que tu pegaste no meu armário e eu deixei teu cheiro nelas me causa arrepio, um arrepio de banheiro de bar, que tu eu sabemos tão bem.




quinta-feira, 1 de setembro de 2016

vicente nem morreu.

Ele toma banho às cinco
acorda antes mesmo da habitual constipação matinal proveniente do cantar do galo
na dualidade dilacerante de homem-menino menino-homem checa seu leque de obrigações:
sapatos ilustrados com escova de dente gasta
camisas brancas passadas e dobradas no braço da cadeira
e meu sono
que inquieto questiona
se quer dormiu?
e a resposta provém do meu silêncio e de greta garbo ilustrada na tv com feições de tragédia pausada pretensiosamente por sua presença ofegante rente à mim
e isso diz tanto sobre tanta coisa.

sábado, 20 de agosto de 2016

envelope-pardo.

Umas paradas que escrevi no auge dos primeiros suspiros da manhã. Eu sei que eu não escrevo bem e já aceitei essa condição pra mim faz tempo. Público por uma necessidade de algo que ainda não sei... É que certas coisas precisam apenas existir. Que sejam aqui.



É que eu vi vestígios de perfume sobre a mesa da cozinha
e rastros de um café amargo recém tomado pela metade
seu zé não passa perfume pra ir a padaria
e não te encontrei em nenhum canto
supus que fosse tu, corriqueiro.

uns meses atrás te escrevi um ensaio de despedida
as bordas de um crime passional
achava que sentia muito
e agora já não sinto nada
e será se um dia senti?

tu parte
meio que sem data
meio que sem rota
meio que sem malas
sem bilhete postal

e eu não sinto nada
talvez indiferença
mas isso é palavra bonita pra nomear esse nada qu'eu sinto
e o nada significa tanto
o parapeito da minha varanda e a mesa de centro que eu comprei e ainda pago
e se eu pular?
quem paga?

me lapidei oco
sonso
e imune

e tu volta
sempre volta
meio como quem não quer nada
no meio de um temporal
sempre com aquele short que tua avó te deu no natal e tu não gostou
e aquela camisa do joy division que eu te dei no amigo secreto do grupo do teatro
já sabia eu
que ela te cairia bem
como teu corpo pulando do último andar da tua kitnet na major sertorio
tu volta
tu sempre volta
e eu de louco te deixo entrar
e quando dou por mim
tu já foi
meio que sem data
meio que sem rota
meio que sem malas
meio que sem bilhete postal
e eu aqui
lavando os lençóis com o cheiro do teu sexo
coando um novo café
até o dia que teu corpo vai bater aquela porta
e eu de louco
vou te deixar entrar.

Eu te amo
Feliz vinte e muitos.
Vinicius.

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Quem foi que saiu

deixando esse rastro de perfume pela casa

balançando o molho de chaves na esperança de encontrar a chave certa

com os pés ensaiando pisadas bruscas revelando sabe se la algum vestígio de obstinação

e o relógio ainda nem marcava sete

quem foi que saiu

que nem café tomou

que nem batom passou

que nem bilhete deixou.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

nações.

Eu não me compadeco da tua luta, fui menestrel de tantas e não tive isso que se pode se chamar de reconhecimento.

Paris, outubro, 62.

Imigração. Não substituiria velhos hábitos imigrante latinos por uma vida local, nem por traços finos, nariz robusto empinado, tampouco feições alá greta garbo de tragédia.
Não substituiria meu passaporte cor de laranja, por um bilhete fajuto com imagem em branco e preto e beca bem passada refletindo ordem.
Não substituiria meu conjugado dos anos trinta quase se afundando em infiltrações e ausência de aquecedor à gás por um apartamento moderno, assinado por arquiteto renomado na parte alta da cidade.
Talvez o meu histórico de dor não se baseie na temática central do exílio, que o que fere não é pra onde se vai, é o que se deixa pra trás. O meu histórico se intercala na ausência de sentimentos complacentes que tateiam a memória como uma súbita taquicardia diária. E ainda tem esses discos empoeirados no armário cozinha, como auto afirmação daquilo que o passado não me deixa esquecer, e nem os cortes de lâmina na minha pele.
Revolução? revolução prolixa que só permanece viva nesses cartazes colados na tua parede carpintanda no estilo neo barraco e nesses teus livros grifados com fases motivacionais de guerrilha enquanto tu bebe um vinho caro e o povo luta, grita, se joga em crimes passionais. Tuas convenções, aquelas convenções frias e fajutas escritas em colunas de jornal não refletem os cavaldos que tua voz planta em sussurros iníquos de tradicionalismo.
O meu corpo é latino, político, irrefutável.
Meu corpo carrega esse enorme peso mundano de quem escolhe se compactuar com a liberdade, liberdade essa que não se mede contando nos dedos da mão.
Meu corpo não fala por pelos crescentes de revolta, quebra de paradigma. Meu corpo sussurra silêncios e faces frígidas de quem já sentiu demais, e mesmo assim sorriu.
Meu corpo não sustenta personagens sabichões com cigarros fixos nos lábios vermelhos de revolta.
Meu corpo é um nada, um nada que se estende no ar.

corpo imigrante

que de tanto se lançar no mar

esqueceu o caminho de casa.